sábado, 28 de julho de 2012

Caldeirão, suor e lágrimas

Após a morte do padre Cicero em 1934, os salesianos, herdeiros testamentais do santo padre, reivindicaram a posse de seus bens. Neles, incluíam-se as terras do sítio Caldeirão, localizado na cidade do Crato, onde estabelecia residência o beato José Lourenço e a Irmandade da Santa Cruz do Deserto. O lugar, uma terra fértil com seus caldeirões de pedra que em época de chuva ficam cheios de água, melhorando a condição para se trabalhar a terra. Apesar das maravilhas do lugar e do sistema comunista implantado na comunidade, alguns remanescentes falam de dissabores da experiência vivida e do beato José Lourenço. Para alguns, o beato era um explorador da boa fé do povo. Contava com Severino Tavares, propagandista, que saía pelo Nordeste deste país anunciando o fim do mundo e conclamando o povo para irem ao Caldeirão. Pedro Alexandrino Neto (meu tio) declara que nunca gostou do beato Zé Lourenço: "primeiro porque seu pai, Pedro José de Oliveira, vendeu as terras no Rio Grande do Norte e o gado, entregando todo o dinheiro nas mãos do beato, segundo, pelo passadio no Caldeirão, lá ninguém tinha nada, o povo comia de ração. Todo dia tinha que ir buscar a quantidade de comida para sua família. Terceiro, as crianças não podiam brincar, eu e os outros meninos. Vi muita coisa errada no Caldeirão, nunca entendi porque os homens puxavam a manjarra para moer cana se havia bois que podiam fazer o serviço. A rapadura produzida ninguém sabia para onde ia, lá era proibido comer doce. Ainda hoje visito o túmulo do beato no cemitério do Socorro, todo dia vinte, não por causa dele, mas por consideração as imagens dos santos que lá estão." João de Deus Andrade, em correspondência enviada do Rio de Janeiro em 23 de outubro de 1981, afirma: "Todo sistema de fanatismo é prejudicial, podemos ter a nossa crença, a nossa fé, sem nos entregarmos de corpo e alma ao capricho do fanatismo que sempre descamba para o prejuízo. Foi o que aconteceu com a nossa família". Os homens, em seus depoimentos têm uma visão realista e crítica dos fatos. Enquanto as mulheres são defensoras fervorosas. Algumas declaram ter sido a maior experiência de suas vidas e lembram com paixão das procissões, dos cânticos, etc. Talvez porque as mulheres vivessem mais a vida do lar, enquanto que os homens tivessem noite e dia para atender ao chamado do padrinho José Lourenço. PEDRO ANDRADE, JORNAL DO CARIRI, OPINIÃO, 18 DE JUNHO DE 2003.

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